Bom mesmo é estar debaixo d'água intitula o novo álbum da cantora e compositora baiana Luedji Luna. Após três anos do lançamento do seu primeiro disco, o aclamado Um Corpo no Mundo, o segundo trabalho inaugura um novo momento na carreira e na vida da cantora: a maternidade.
"Eu me sinto duplamente mãe, e estou prestes a parir meu segundo filho. Todo o processo de concepção do disco, pré-produção, e gravação foi durante minha gestação, então esse é um trabalho atravessado por esse grande portal que é a maternidade."
Além do disco, o projeto consistiu na gravação de um filme, dirigido pela diretora Joyce Prado, vencedora do prêmio WME (Women's Music Event) na categoria "melhor diretora de clipe" e cofundadora da APAN (Associação do Produtores do Audiovisual Negro). Uma das principais parceiras de trabalho da cantora, é ela quem também assina a direção do clipe do hit "Banho de Folhas", que hoje contabiliza mais de 5 milhões de views no YouTube.
O novo álbum traz a reflexão sobre a afetividade de mulheres negras a partir do olhar da cantora sobre suas experiências afetivas, atravessadas por sua condição de mulher e negra. O disco também reflete sobre os impactos da sociedade machista e lgbtfóbica na constituição da subjetividade desses corpos. Sobre a temática, a cantora explica: "Como essas opressões atravessam a subjetividade das mulheres pretas? Como a sociedade enxerga as mulheres pretas no campo da afetividade? Como as mulheres pretas expressam essa afetividade?"
O projeto se fundamenta na ideia de responder a essas e outras questões e surge da necessidade de construir um outro imaginário acerca do tema, a partir de outra narrativa em que a mulher preta tenha autonomia para expressar seus sentimentos e desejos. Nesse sentido, o álbum surge para contrapor, criar um outro referencial poético: "na minha canção a mulher negra é musa!"
Trazendo como referência a água, elemento ligado às emoções e a Oxum, orixá africano ligado ao amor e à maternidade, "Bom Mesmo É Estar Debaixo D'água" é um disco fluido, com canções que dialogam entre si e que apresentam múltiplas vozes pretas e femininas acerca do tema. A faixa "Ain't' got no" traz o trecho de um poema da escritora Conceição Evaristo, uma das principais inspirações na carreira da cantora. A canção "Lençóis", por sua vez, é de co-autoria da escritora Cidinha da Silva, e conta com a participação da poeta brasiliense Tatiana Nascimento, também autora da canção que encerra "Um Corpo no Mundo", "Iodo+ Now Frágil". Há ainda outras duas parcerias, com "Recado", de co-autoria da cantora e da poeta baiana Dejanira Rainha Santos Melo, e "Erro", parceria com Marissol Mwaba, uma das autoras de "Notícias de Salvador", seu primeiro álbum.
"É um disco com canções em parceria, majoritariamente, contando só com uma música de autoria apenas minha, e duas onde sou apenas intérprete: "Ain't got no" e "Origami". Acho que compor com outras pessoas me levou pra outros caminhos melódicos, e isso sem dúvida traz ao disco uma sonoridade distinta de Um corpo no mundo. No entanto, algumas coisas se repetem, Cal Ribeiro, Tatiana Nascimento, François Muleka e Marissol Mwaba são figuras presentes de alguma maneira no meu primeiro álbum e que também estão no novo disco. Ravi Landim, Cidinha da Silva e Dejanira Rainha são novos encontros", pontua Luedji.
O disco repete algumas fórmulas do primeiro álbum: a coesão entre as canções ligadas a um tema central, a leveza da voz de Luedji aliada à força de suas letras, e a África como norte. Se em "Um Corpo no Mundo" ela estava presente na diáspora, neste disco a cantora viaja literalmente ao continente para a sua gravação, mais precisamente ao Quênia, onde conta com a participação de músicos do Burundi e de Madagascar. A produção musical é assinada pelo guitarrista queniano Kato Change e também pela própria cantora Luedji Luna, que explica: "Quênia foi o primeiro país que fui no continente africano, onde fiz relações estreitas com as pessoas e cultura de lá. Se em Um corpo no mundo eu buscava uma África ancestral, em Bom mesmo é estar debaixo d'água eu busco uma África moderna, atualizada. Eu vinha escutando muito os artistas da nova geração da Nigéria, Cabo Verde, Gana, usei instrumentos que não haviam sido usados no primeiro disco, bateria e teclado foram incluídos, enquanto que a percussão - que era o centro do disco anterior - aparece apenas em algumas canções. Arranjos de sopro e de cordas foram incluídas aqui no Brasil no estúdio da Redbull. Sinto que a sonoridade do disco muda, e foi uma busca proposital, mas ainda tem muita coerência com o que foi produzido no disco anterior, a mesma identidade. Sou eu!"
Sim, o disco novo da Luedji Luna é ela em sua essência: leveza e força. As 12 faixas do álbum transitam entre o jazz e os ritmos africanos, e são como um mergulho nas águas quentes da Bahia. Sofisticação e ousadia, características que a compositora baiana vem trazendo desde o seu primeiro trabalho, o álbum é político sem ser panfletário, é romântico sem ser clichê. Ela inova mais uma vez.
Em tempos de ódio e de incertezas, o amor renascerá das cinzas, ou da doce voz de uma mulher!
O disco está disponível em todas as plataformas digitais.
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